quinta-feira, 27 de setembro de 2007

GOSTO SE DISCUTE SIM


Em tempos de multiculturalismo, tornou-se politicamente incorreto julgar esta, ou aquela cultura, e suas expressões artísticas superiores as demais.
Aparentemente para os adeptos desta nova forma de controle sobre o pensamento e a consciência do indivíduo, Sandy e Júnior, Ramones e Bonde do Tigrão, tem o mesmo valor que Bach, Mozart e Miles Davis.Se você concorda com os stalinistas politicamente corretos, poupe seu tempo e pare de ler este texto. Pois eu, como músico e amante da Música, discordo. Desde já, quero deixar claro que não toco música erudita ou jazz e não tenho competência para tanto. Este é justamente o ponto a que quero chegar. O grau de competência técnica necessário para se compor e tocar uma sinfonia, ou um Standard, como Giant Steps de John Coltrane é infinitamente superior ao necessário, para se tocar um blues ou um vanerão.Como disse antes, não toco Beethoven nem Gillespie, nem tenho o hábito de escutá-los freqüentemente. Na verdade, sou fanático por blues, mas isso não me impede de perceber claramente a superioridade de Brahms em relação a Hound Dog Taylor ou Eric Clapton.Essa superioridade não é puramente técnica. Enquanto a música pop (o blues, o folk, o rock e suas variantes), se limita quase que exclusivamente a tagarelar sobre o amor, com suas dores e prazeres previsíveis, ou a discursos tão passionais quanto obscuros e auto-indulgentes contra o "sistema", no mundo erudito e no jazz toda a existência humana e as questões sobre a vida, a morte e o cosmos (que qualquer ser racional faz), são abordadas de maneira freqüente.
O rock até faz estas perguntas, mas as respostas, quando dadas, se limitam a alguma forma de niilismo ou hedonismo. E é aqui, que a superioridade técnica de músicos como Schubert e Charles Parker faz toda diferença. A vida nos apresenta questões complexas, as respostas, se é que existem, não podem ser simples.Os três acordes do punk podem responder a alguns anseios e angústias juvenis, mas teriam sido muito pouco para Beethoven expressar sua admiração pela filosofia de Immanuel Kant e a poesia de Friedrich Schiller.Todo músico competente tem algo de hipnotizador, pois é capaz de fazer com que o ouvinte sensível, perceba o mundo a partir do seu estado de espírito. A intensidade e a profundidade dos sentimentos apresentadas na música erudita e no jazz, pelos mestres destes gêneros, não tem paralelo em nem um outro estilo musical. Somando-se a isso, a qualidade estética que, aliás, pode ser medida, (pois a nota LÁ, por exemplo, vibra em exatos 440Hz), a variedade de formatos e a liberdade com que estes podem ser explorados pelos bons compositores e instrumentistas, fazem daqueles gêneros, o ápice desta forma de arte que chamamos de música. O que me incomoda, é quando algum estudante de sociologia, história ou filosofia me diz que eu não posso achar Wes Montgomery superior ao Tiririca. Nessas horas me dá vontade de mandar o neo-stalinista a merda, pois se eu respeito, e muito, Bach e companhia, e tudo o que estes representam, anos e anos escutando rock em todas as suas vertentes, me ensinaram que às vezes, um grito é mais eficaz que mil silogismos.


Alessandro Côrtes

Postado por Camila Age
Na foto: John Coltrane e Miles Davis




4 comentários:

Anônimo disse...

Suspeita para falar, rs. Mas mesmo assim, parabéns.

Michel de Lespinasse disse...

Completamente de acordo!

Anônimo disse...

Prezado Alessandro,
Seu texto é muito consistente, embasado, inteligente e com um grande ar de picardia e bom humor, mas um pouco rancoroso....
Eu, como pude perceber em você, também adoro uma boa música: todos os jazzistas citados, Piazzolla, Villa Lobos, e tantos outros que poderiam encher esse comentário.
Mas acredito que a grande questão a ser colocada aqui é: para que serve a música afinal?
Para entreter os nossos ouvidos num teatro com acústica perfeita ou os nossos lares em momentos de reflexão após um solo brutal de Miles Davis??? Será que é só para isso?
Outro ponto é a nossa necessidade de ficar comparando as coisas. Porque essa competição? Quem gosta de música,acredito eu, não se importa se a música tem três ou "mil acordes dissonantes" (como diria Caetano).
A música é técnica sim (e são poucos como vc mesmo comprovou que a tem de maneira apurada), mas
também é entretenimento, é lembrança, é saudade, é tristeza e todos os sentimentos que possam vir a nossa mente quando nos envolvemos com ela.

Anyway obrigado mais uma vez pelo seu texto(se é que vc é um de nós), gentilmente postado pela Miss Thursday.

W.Allen

Anônimo disse...

Até que enfim!!! Se ainda existem pessoas como você que pensam neste país , vale à pena continuar .
Obrigada .
Mari.