Numa noite fria de inverno, depois de três meses de espera e negociação via telefone, com alguma das duas secretárias de Lucrecia Donesiba, chega o dia da tão esperada entrevista. Horário marcado - 20h30. A sala da presidência é de uma sobriedade quase mórbida, praticamente monocromática, se não fosse pelas cadeiras de reunião em outro tom (bege é tom?). Apesar do ar ligado no quente, o lugar é tão insípido que parece de gelo.
Aos 49 anos, altura mediana, magreza digna de dar inveja às anoréxicas, olhos claros, sérios e melancólicos, roupas impecáveis, como se tivesse acabado de sair de alguma loja de grife, Lucrecia aparece, cercada por suas secretárias, cada uma com uma pilha de papéis. Ela senta, assina todos os documentos. Só depois disso, parece perceber que havia mais alguém na sala. “Agora podemos começar”, diz.
Por que sempre o tom cinza, para as roupas? “Visto-me assim para não chamar a atenção, além da praticidade, claro. Não tenho tempo a perder, pensando em como fazer a combinação de roupas. Uso cinza e preto, sempre”, explica com um tom austero.
Lucrecia é presidente e sócia majoritária da maior empresa de cosméticos do mundo, a francesa b’Oreal. A indústria é dona de 16% do mercado mundial de cosméticos. Possui 18 marcas internacionais de origem americana, européia e asiática, como a Lancôni, Maibilinnn e Jiorio Harmanes e um faturamento médio de 15 bilhões de euros. A organização ainda conta com 14 centros de pesquisa espalhados pelo mundo, em 2005, cerca de 496 milhões de euros foram gastos somente em estudos e pesquisas. Além da b’Oreal ela tem outras inúmeras empresas no ramo das telecomunicações.
Lucrecia se formou em administração pela federal do Rio de Janeiro com apenas 20 anos. Aos 21 já tinha feito sua pós-graduação em finanças na Fundação Getúlio Vargas e aos 25 já tinha terminado o doutorado. “Concluí o mestrado e doutorado em dois anos. Pra mim era um prazer ir às aulas e depois ficar enfurnada no meu apartamento lendo pencas de livros”, explica. Chegou a adiar o casamento para participar de um congresso de economia na Europa. “Ele sempre soube que eu não iria fugir, mas minha vida profissional sempre foi mais importante”, fala quase rindo, por pouco seus dentes não apareceram. Hoje o marido mora nos Estados Unidos, se vêem uma vez por mês, e nessa ocasião permanecem juntos um pouco mais de 24 horas.
Sua rotina? Acorda às 7h, toma um café preto quase fervendo e uma fatia de alguma fruta da estação. Chega ao escritório às 08h30 e nunca tem hora pra sair, incluindo finais de semana. Raramente sai pra almoçar e passa o dia trancada na sua sala. Alguns poucos executivos têm permissão de entrar ali. Outros ‘mortais’ precisam agendar horário com uma das secretárias, além de passar por uma longa entrevista, em que elas tentam destrinchar todo o assunto. Dorme de quatro a cinco horas por noite. Tem meia dúzia de amigos e pouquíssimo contato com os seus dois irmãos.
Lucrecia não bebe, não fuma, não ouve música e não freqüenta nenhum teatro, cinema, ou qualquer outro evento cultural. Qual a sua distração? “Leio livros técnicos nas horas de lazer”, conta. Exercício físico faz em casa, em sua esteira, enquanto acompanha a cotação da bolsa de Kuala Lampur pelo Bloomberg.
Ela tem um patrimônio estimado em cerca de 1 bilhão de dólares e, no entanto, não tem casa na praia, nem iate, nem helicóptero. Bens quase que obrigatórios a bilionários como ela. A cobertura em que mora, no Rio de Janeiro, foi comprada em um leilão judicial por menos da metade do preço que valia. Nas paredes, nenhum quadro valioso. “As únicas obras de arte que já adquiri foram a título de investimento. Não vejo graça nenhuma em arte”, revela. Por que tanto ímpeto em ganhar dinheiro, se tem tanto pouco gosto em gastá-lo? Acha graça da pergunta e diz: “o divertido é o trabalho, o negócio, e não o dinheiro em si”.
“Um dia passei a tarde estudando balanços da b’Oreal, já era quase seis da tarde quando olhei pela janela e percebi uma movimentação anormal no centro, fiquei preocupada, achei que podia ter acontecido algo que não percebi, por estar entretida nos números. Foi quando, sem querer, olhei para o calendário em cima da mesa e me dei conta que era 25 de dezembro.” Mas até no natal? Você não tinha nenhum plano para a data? Nada mais divertido? “E existe algo mais divertido que ler balanço?”
Não tem filhos “nem pretendo tê-los, eles tomam tempo”, revela. Aposentadoria parece não aparecer nos seus planos, “quero trabalhar até quando tiver forças para isso, e, acho que quando não tiver mais forças, morrerei, pois a vida não terá mais graça nenhuma”, conta.
O relógio marcava 22h40. Lucrecia estava ansiosa, ainda precisava fazer algumas ligações e responder e-mail. “Você ainda tem alguma pergunta?”, indagou. Ligou para uma das secretárias e disse que a entrevista tinha acabado, pediu um café fresco e bem quente e os relatórios que estava aguardando. A secretária entra, e me espera enquanto visto meu casacão e meu cachecol. Lucrecia me olha de canto de olho: “nossa, está tão frio lá fora? Como não percebi?”. Por um momento quis responder: e você lá sente frio minha filha? Nem coração tem... Mas, pensei melhor e disse: pois é, e a previsão é que a temperatura vai baixar ainda mais. Acho que ela nem escutou minha resposta. Já estava entretida no tal relatório que a secretária trouxe.
Mônica Wojciechowski
p.s: personagem criado a partir da vida real do banqueiro Daniel Dantas.