domingo, 8 de julho de 2007

*Olivier, Le Perroquet

Mon Dieu, Mon Dieu. Essas palavras costumavam ser as únicas proferidas por aquele papagaio cinza, de voz engraçada. Se bem que, é um karma comum a todos os papagaios ter esse falsete cômico, que beira à tragédia de tão irritante. Deve ser vingança dos deuses, justiça divina, algo assim, afinal de contas, se esses bichinhos não são capazes de fechar a matraca por sequer um segundo aqui no mundo físico, nessa sociedade contemporânea e capitalista, presumo que também não devem ter dado sossego aos anjos dos céus, ainda nos primórdios da criação. Por falar em criação, se no 7º dia Deus descansou, foi porque não tinha um papagaio por perto.
Ok, ok, eu paro. Vou parar de maldizer toda a raça desses voadores falantes. Meu problema está com apenas um deles: Olivier Pereira. Isso mesmo, um papagaio com nome e sobrenome, se duvidar tem até RG. O primeiro nome foi dado pelo seu primeiro dono, um francês “egocentriqué” e “metido a besté”, que tomou como objetivo principal de sua vida transformar seu “perroquet” em poliglota. Ensinou-lhe um punhado de palavras em diversos idiomas, entre eles russo, escocês, mandarim e latim. Aí você pensa: que homem de sabedoria, profundo conhecedor das línguas, culturas e diferenciais de todos os povos, blá blá blá. Não, nada disso. O monsieur em questão não sabe sequer falar inglês - e não ousem afirmar que é essa a tal da “língua universal” perto dele, é bem provável que ele tenha um chilique à francesa.
Pois bem, o dono francês do papagaio poliglota queria mesmo era entrar pro Guiness Book, e com isso ganhar um dinheirinho à custa do pobre bichinho, que vivia sob os maus tratos de seu dono neurótico, psicótico e perverso – não vou nem explicar o porquê de todos esses adjetivos, pra que os leitores deste humilde texto não se assustem. Mas, de acordo com as novelas globais e filmes hollywoodianos, os vilões sempre se dão mal no final da história. Pois bem, dessa vez não foi diferente: diante de todas as incansáveis aulas assistidas com atenção pelo nosso amigo Olivier, Le Perroquet, não é que o bichinho travou justamente na primeira frase que lhe foi ensinada? Mon Dieu, Mon Dieu, repetia ele, única e incessantemente. Não sei se por teimosia, por revolta ou por burrice mesmo, mas o fato era esse, o animalzinho só falava isso. E seu dono, após tantos investimentos – já tinha contratado até um assessor financeiro pra contabilizar os lucros que teria com o gênio voador e falante – só teve uma saída: vender o animal pra algum turista rico e desinformado. Rico, porque o francês iria sobre taxar o bichinho, e desinformado, porque só mesmo sendo um alienado pra pagar uma nota por um papagaio chato, com déficit de aprendizagem e que nem verde e amarelo é.
E conseguiu: o turista azarado foi Odalício Pereira, um brasileiro aposentado e ricaço (paradoxal, não?). Em sua última passagem por Paris, Odalício julgou ser elegante voltar ä sua terra natal na companhia de um papagaio europeu, que carregava na penugem a coloração acinzentada do céu de Paris. Só não contava que iria se apegar tanto ao animal: conforme os dias iam passando, mas crescia o afeto de Odalício por Olivier. E foi dessa relação incompreensível – afinal, o papagaio continuava sendo um chato, repetindo sempre a mesma frase – que Olivier ganhou um pai, um lar e um sobrenome. A partir daí, o papagaio passou a se chamar, perante Deus, um padre e algumas testemunhas, Olivier Pereira.
Aí você pensa: pronto, tudo resolvido. O papagaio chato ganhou um dono que o ama, os dois se entendem e convivem muito bem, e esse deve ser o final feliz dessa história, certo? Errado. Diferente dos contos de fadas, essa história não termina com o tradicional “...e foram felizes para sempre”. O motivo? Bom, o motivo é, no mínimo, constrangedor. Vou contar qual é:
De algumas semanas pra cá, essa pequena praga falante parou de repetir a seu habitual Mon Dieu, Mon Dieu, que foi substituído por uma outra frase, de cunho completamente distinto: relaxa e goza. Pois é, seria cômico se não fosse trágico. Agora, o bichinho de estimação do brasileiro aposentado, rico e religioso – lembre que ele até chamou o padre pra abençoar o nome do papagaio – repete incessantemente as palavras “relaxa e goza”. A empregada chega pra trabalhar, e Olivier diz, já cedo: “relaxa e goza”. Os filhos vão visitar o pai Odalício, e o papagaio: “relaxa e goza”. No almoço de domingo, não dá outra: “relaxa e goza”. E na hora da oração então? “Relaxa e goza”. O dia inteiro, o tempo todo, na companhia de qualquer um, Olivier: “relaxa e goza”. (Oras, que papagaio mais chato!)
Diante desse infortúnio, Odalício Pereira não teve outra saída a não ser doar o papagaio pra primeira pessoa que se interessasse. Afinal, não poderia seguir adiante com um bicho que só fala as mesmas palavras chulas. O pior é que o velho Pereira não consegue imaginar de onde foi que seu papagaio tão querido foi aprender tamanha deselegância. “Deve ser da televisão, cada dia mais indecente”, defendia ele.
Por fim, Odalício não enfrentou muita dificuldade em encontrar um novo dono para seu bichinho. Isso porque, o vizinho da casa ao lado, comovido com a história daquele velho bonzinho, achou por bem presentear uma certa senhora com esse animal de fala singular. Sendo assim, Olivier Pereira, Le Perroquet, está agora, nesse momento, viajando para São Paulo, rumo ä mansão de sua nova proprietária, uma tal ministra loira e tão desbocada quanto ele. Boa sorte, Olivier!


Sabrina Moreira

*Texto baseado na obra "A Décima Segunda Noite", de Luiz Fernando Veríssimo.

4 comentários:

Unknown disse...

Sasá, o que esperar desta dupla juntas hein? Acho que coisa boa é que não, hahaha.
Ah, vc não assinou seu texto amore.
Beijos
Cami

Unknown disse...

Ops, acho que cometi um erro. Desta dupla juntas não dá neh? Hehehe. Somente desta dupla, agora sim.
Adorei.
Mais beijos querida

Anônimo disse...

Olá,
Olivier mereceria um lar mais humano e caloroso,provavelmente a Marta iria pensar que tratava-se de uma galinha diferente e não um papagaio "tão nobre". Acho que o Senador Eduardo, aquele que canta Blowing in the Wind no congresso, o trataria melhor. Pelo menos ele é de carne e osso.
Pensei em apresentar W.Allen para você, mas como a gente não se conhece, daria na mesma. Ficamos assim mesmo.

W.Allen

Anônimo disse...

adorei!

concordo com o nosso amigo W. Allen, Sassá. Manda ele aqui pra casa que eu cuido bem dele.